domingo, 29 de janeiro de 2012

Ela esperara-o estes anos todos...

Addiragram
   

Via-se todos os anos a correr a praça tentando agarrar aquelas etéreas sementes que, deambulando pelos ares, lhe fugiam sempre dos dedos. Diziam-lhe que se conseguisse alcançar uma delas e a guardasse bem no centro da  mão, conseguiria levar por diante todos os seus sonhos, aqueles que escrevera um dia em pedacitos  de jornal e enterrara na pequena lata, algures num canto do jardim. Por isso, quando elas corriam desatinadas pelos ares, sonhava voar como nos quadros de Chagall e conseguir finalmente aprisioná-las. A vida, essa, ia correndo sem grandes novidades. Na escola gostara sobretudo dos amigos que conhecera e que o levavam a novos lugares que alargavam o seu universo   num raio superior a  2 kilómetros. A descoberta de outras casas e outros hábitos faziam-no acreditar que um dia galgaria fronteiras e seria capaz de desenterrar a coragem para sentir com as pontas dos dedos a vida a pulsar. 
Naquela manhã foi para o liceu no horário do costume. Só sairia pelas quatro da tarde e, depois, o caminho era o passeio de retorno para a casa onde, quase  nada de novo o esperava. A entediante professora de Geografia naquela manhã  surpreendera-os com um "furo"e o Eduardo que viera do Liceu Francês, desafiou-o a dar um pulo a sua casa, mesmo ali ao lado, dizia ele.  A emoção da saída fê-lo imaginar uma viagem longínqua, como se atrevesse a transpor os limites da cidade. Sair do liceu e atravessar, a corta-mato, quintais e terras bravias . Era ir ao encontro das aventuras que saltavam dos livros para aqueles lugares onde tudo podia acontecer. O Eduardo era um amigo discreto e pouco dado a sobressaltos, mas a sua colecção de comboios e a biblioteca dos pais  que cobria todas as paredes da sala, dera a Pedro o empurrão para a saída.
      As traseiras dos prédios eram autênticos mergulhos no campo: galináceos metidos em gaiolas, nespereiras, plenas de fruta dourada a que apetecia trepar, um ou outro pessegueiro que brotava de um pequeno rectângulo, flores variadas à mistura com ervas daninhas, espigas que serviam para valorosos combates, paus de todos os feitios e tamanhos, arames, tábuas, uma gama infinita de materiais que mereciam ser descobertos.  Embora e tempo fosse pouco e a conversa pegasse uma na outra, Pedro olhou de raspão um caminho que corria paralelo ao seu e vislumbrou aquela flor dente-de-leão plena de sonhos e desejos. Ela esperara-o estes anos todos e os olhos do Pedro não paravam de sorrir. Podia agarrá-las todas e guardá-las numa folha de papel dobrada em envelope. Sabia agora que os sonhos estavam todos ali e que nenhum deles lhe escaparia.
      Agradeceu então ao Eduardo aquela visita à sua casa plena de magia. 


1 comentário:

  1. Há sempre um desejo a ser formulado...
    E quem nunca soprou num dente de leão?!

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